domingo, 10 de janeiro de 2016

Filho único

Estava eu em minhas muitas andanças de ônibus com Lucy outro dia, e uma senhora sentou ao meu lado. Confesso que sou uma daquelas pessoas meio avessas a passar meu tempo em transportes coletivos jogando conversa fora com totais estranhos, que nunca vi mais gordos na vida. Mas têm alguns que são capazes de te cutucar pra você se sentir forçada a emprestar seus ouvidos e iniciar um diálogo, mesmo você colocando fones no ouvido e fingindo que está lendo um livro de mil páginas. Nesse dia especificamente, Lucy estava dormindo no meu colo, e sabia que se ela acordasse com sono a viagem de volta pra casa ia ser pior do que se tivesse um estranho falando comigo sobre como os tomates são cultivados na Índia. Por isso quando a senhora olhou minha filha e começou a comentar sobre como ela era fofa, eu me limitei aos acenos de cabeça e sorrisinhos meia boca, pra não dar papo mesmo. Uma hora porém, veio a pergunta fatídica: E quando vem um irmãozinho?
Essa é uma pergunta em que não se pode ganhar. Sempre incide em uma discussão sobre prós e poréns. Qualquer que seja a sua resposta, esse ser besta, sabe tudo que é a sociedade em geral, tem um argumento na ponta da língua pra te palestrar sobre o motivo de você estar errada. Eu ainda não sei o porquê, mas a cobrança está em tudo no que diz respeito à formação familiar. Se você namora, as pessoas perguntam quando sai o casório. Quando você casa, na hora dos cumprimentos da festa os convidados já te perguntam se sai um filho na lua de mel. Veio o primeiro? No elevador do prédio todos os vizinhos, em uníssono, dividem a mesma curiosidade se vem um segundo. Agora, se você chega no terceiro filho, affe você é louca! "Com a economia do jeito que está, quem se atreveria a ter 3 filhos??"
Já sabendo o que viria depois, falei que não tinha certeza, mas que era provável que não, que a fábrica fechava ali mesmo. E o que se seguiu, para surpresa minha, foi a primeira conversa interessante que tive com uma desconhecida num ônibus. A senhora em questão era psicóloga, e, em vez de tentar me analisar, despachou seus próprios sentimentos sobre a relação dela com sua filha. Em uma tranquilidade e uma frieza surpreendente, me disse o quanto todos os planejamentos dela tinham dado errado, que sua filha era hoje, aos 20 anos, era uma pessoa egoísta, auto centrada, consumista e mesquinha. Entre todos os seus primos, ela era a que fugia ao padrão e só olhava pro próprio umbigo em todas as decisões. E que ela atribuía tudo isso ao fato de ter feito a escolha de ter uma filha única. Sua afirmação final foi mais ou menos assim:
  - Ela não teve com quem compartilhar as coisas, e por termos só ela, com uma condição de vida estável, nunca nos preocupamos em não dar o que ela quisesse. Se eu podia dar, porque não daria? Talvez eu precisasse de mais um pra dividir todo esse mimo, e por isso eu não recomendo filho único a mais ninguém.
Epa, peraí, pára tudo!! Será que o caso então de suprema presunção da filha da psicóloga seria mesmo o fato de ser única em casa? É um pouco engraçado, se não for catastrófico, ouvir pessoas tentando se isentar da culpa de ter "estragado" seu filho, e apontando para fatores externos, como o número de crianças criadas. Para dar suporte à minha raiva, já cansei de ver casos absurdos por aí, de adultos completamente egocêntricos com, adivinha, 2 ou mais irmãos dividindo o teto. Inúmeros casos de irmãos que nem sequer se falam, vejam só. Eu sei o quanto é gostoso crescer com irmãos. Eu tenho dois. É divertido, até mesmo as brigas. Mas filho único não deve ser sinônimo de filho sozinho.
Cena inesgotável em parquinhos: crianças que abrem o berreiro porque não querem dividir o brinquedo com o coleguinha. Ou aqueles que abrem o berreiro porque o outro não quer emprestar. E quando você olha para os lados, aonde estão os pais? Dando sorrisinhos amarelos, ou olhando para o outro lado da rua oposta. Qualquer coisa é melhor, aparentemente, do que colocar o pé na areia pra chamar a atenção do filho de que o certo é compartilhar. O que penso desse tipo de pais, é que não importa se eles tenham 1, 2 ou 10 filhos, nunca vão conseguir direcioná-los ao caminho da humildade e do desapego. Porque se você não tem irmãos em casa, os amigos-irmãos estão aí na rua pra todo lado.
Nessa nova cultura de nossos dias, as crianças estão mesmo crescendo consumistas e truculentas, respondonas com qualquer um, da mãe ao Papa Francisco, a menos que os pais decidam tomar as rédeas da situação, e administrar com sabedoria o comportamento de seus pequenos. Nós mamães E papais precisamos enfiar na cabeça que devemos sim ser os melhores amigos de nossos filhos, mas também os piores (ao ver deles) quando se faz necessário. Um baita NÃO, em caixa alta, às vezes é o bem mais precioso que os filhos vão ganhar, quando você consegue enxergar o quadro completo, a longo prazo. Atualmente está se espalhando a ideia de que, pra sermos amigos de nossos filhos, não podemos brigar. Em muitos casos, os pais deixam que as crianças aprendam por outros meios, o que é errado. Temos que entender que ensino e educação são duas coisas diferentes. Educação se aprende em casa, no cantinho do castigo, com a família em acordo. Temos uma quantidade absurda de jovens que são extremamente inteligentes e letrados, mas sem nenhuma educação ou respeito ao próximo.
Por tudo isso, sim, me vi obrigada a discordar da psicóloga do ônibus. Quem me conhece sabe que eu detesto confrontos, por isso expliquei com diplomacia que, com a Lucy, sim é sim e não é não, e ela é criada com o bom senso de que ela só tem o que ela pode ter, e o que é aprovado por nós. Espero que um dia o cuspe não caia na minha testa, mas mesmo crescendo com o quartinho só pra ela, não aceito nada menos que uma criança amigável dentro de casa, e depois uma adulta ciente de suas atitudes para consigo mesma e para com o mundo. Existem sim, não vou negar, uma série de dificuldades em ser um filho único, assim como quem é o filho do meio, ou o caçula ou o primogênito, também sofre em suas próprias batalhas.
Agora me diga uma coisa: você já presenciou algum homem sendo pressionado por desconhecidos se eles terão algum, muitos ou nenhum filho? Me faz pensar se toda essa pressão social existe apenas pro lado da mulher, questionando sempre nossos desejos legítimos, sejam eles quais forem. O meu protesto aqui é: Mais respeito à opinião alheia, principalmente no que diz respeito ao seu núcleo familiar.
Eu acho que hoje, eu viveria o resto da minha vida feliz, entre fraldas e fofurices infantis, mas como sou eu e meu marido quem pagamos nossas contas, eu devo me permitir admitir, que por tempo indeterminado, só me cabem as fofurices da Lulu. E ponto final. Mulheres, nossas vidas não são de domínio público. Não deixemos outros nos rotularem, ou aos nossos filhos, presumindo de uma maneira ridiculamente simplista, sobre quem eles se tornarão com base apenas nas estatísticas numéricas da população de nossas casas. No final, o nosso amor em educá-los de maneira consistente é o que conta. Sejam eles quantos forem. Porque ninguém tem nada a ver com quantas barrigadas nós vamos ter. Mas o mundo agradece quando eles são criados da maneira certa.



Até a próxima

Michelle Vargas

2 comentários:

  1. Amei o seu blog, Michelle! Encontrei em meio a tantos sites e achei os textos muito elucidativos. Mesmo não sendo mãe ainda, vou sempre passar por aqui para acompanhar as suas dicas.
    P.S.: A sua filhinha é linda demais!

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    1. Puxa Silmara, você não sabe o quanto eu fico feliz quando vejo que passaram carinhas novas por aqui! Muito obrigada por sua visita! E qdo vier o seu bebê, ele vai ter muita sorte por ter uma mãe tão bem informada assim rsss!
      Bjocass

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